quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A FALA DO ÍNDIO NO MUNDO

a fala do índio no mundo lakota english

sabes durante quantos anos
foram cerca de 1.300 tratados assinados?
durante tantos anos
quantos os anos de chacina por que nos fizeste passar

que tratado houve que os brancos tenham respeitado
e o índio tenha rompido?
nenhum

onde estão hoje os nossos guerreiros?
quem os terá chacinado?
e onde estão as nossas terras?
quem será que as possui?

que homem branco poderá mostrar que eu
alguma vez lhe tenha roubado a terra
ou um tostão que fosse do seu dinheiro?
e dizem, apesar disso, que sou ladrão

que mulher branca, mesmo sozinha,
foi alguma vez feita cativa ou insultada por mim?
e dizem, apesar disso, que sou mau índio

que homem branco me terá alguma vez visto bêbado?
quem é que alguma vez terá chegado
ao pé de mim com fome
e tenha partido em jejum?
e alguém me terá alguma vez visto
bater nas minhas mulheres e enganar os meus filhos?

que lei terei eu quebrado?
não terei eu razão por ser fiel à minha própria lei?
será da minha parte um mal
que tenha pele vermelha?
que tenha nascido onde o meu pai viveu?
que morra pelo meu povo e pela minha terra?

conheci a vida
quando o vento soprava livre
onde não havia cercas,
onde nada enfraquecia a luz do sol
cresci entre os riachos e os rios
onde o peixe brilhava e dançava ao sol
quando as florestas me davam de comer
e do que precisava para me vestir
onde tudo respirava livremente
e o meu espírito, como os ventos,
vagueava então pelas tuas boas terras.

terra, beleza singular que depositou em mim
o seu sorriso e me fez feliz
terra, mãe sagrada
as árvores e toda a natureza
são testemunhos dos teus pensamentos
e das tuas acções
os pássaros que voam nos ares
vêem a ela repousar

terra, lugar permanente
de todas as coisas que vivem e crescem
a terra suaviza, fortifica, lava e cura
é por isso que me afinco a ela
em vez de me separar das forças da vida

sentar-me ou deitar-me na terra
significa poder pensar mais profundamente
e sentir com mais intensidade;
contemplar os mistérios da vida com mais clareza
e sentir mais próximas as forças vivas que me envolvem.

a relação que mantenho com todas as criaturas da terra
do céu e da água, é um princípio real e activo
é muito estreita a familiaridade com os meus amigos
de penas ou pele: é como se fossemos irmãos,
falamos a mesma linguagem
e eles retribuem com confiança

na minha terra, no meu tipi,
sento-me no chão
e medito na vida e no sentido que ela tem.
aceito o parentesco com todas as criaturas
e reconhecendo a unidade das coisas no universo
instalo no meu ser a verdadeira essência da civiçização:
estamos todos ligados, eu e a terra somos um só.

sou um amante da natureza
amo a terra e todas as coisas da terra
e esse afecto cresce dentro de mim com a idade

sei que o coração do homem afastado da natureza endurece;
a falta de respeito por aquilo que cresce e vive
leva rapidamente à falta de respeito pelos seres humanos.
por isso mantemos os nossos jovens sob a mansa influência da natureza.

às vezes surgem homens com um dom
para fazer coisas extraordinárias.
mas nunca houve ninguém que pudesse dirigir
o sol, a terra o ar e a água.

vejo claramente a diferença profunda que existe
entre a vossa e a minha condição

não tens a liberdade de fazer o que te vai no espírito
tens medo dos ladrões, das falsas testemunhas, dos assassinos.

és movido por normas e convenções, como o gelo flutuante
que vai por aqui e por ali
levado pela corrente.
estás na dependência duma infinidade de pessoas
e outras tantas dependem de ti.
isso leva-te a um desequilíbrio profundo.
é isto, verdade ou não?

sou senhor da minha condição
eu sou senhor do meu próprio corpo,
e disponho em absoluto de mim mesmo
faço aquilo que me agrada
sou o primeiro e o último da minha nação, não receio homem nenhum,
e dependo apenas de wank tankã: o deus sol, terra, agua, e ar.

o que é a vida?
é o brilho do pirilampo na noite;
é o sopro dum bisonte no Inverno;
é a sombra que corre na areia, e se perde ao fim do dia.

as cinzas dos nossos antepassados
são sagradas para nós,
e o sítio onde repousam é terra santificada

o acampamento é imóvel
o acampamento pertence ao primeiro
que se senta na sua manta
ou nas suas peles que lançou por terra
até que deixe esse sítio
ninguém mais a ele tem direito

um dia o homem branco chegou à nossa terra
e nestes longos anos, após a sua chegada,
vi a minha felicidade desaparecer
como salmão que misteriosamente se some no rio.
não pode haver duas ocupações do mesmo lugar:
a primeira exclui todas as outras.
o mesmo não acontece quando se caça ou se viaja
porque então o mesmo solo pode servir a muitos.

a nossa gente estava à caça do bisonte
para que as minhas mulheres e os meus filhos
tivessem as faces cheias e o corpo quente.
quando houve alvoroço na linha que nos separava,
os meus jovens guerreiros dançaram a dança da guerra,
mas o meu povo nunca foi o primeiro a lançar uma flecha
ou a disparar uma arma de fogo contra os brancos:
vós enviastes o primeiro soldado
e nós enviámos o segundo.
desde então houve um ruído como o da tempestade
e ficámos sem saber que caminho tomar.

os nossos direitos valem demais
não são vencidos por palavreado
nem trocados por ouro.

as palavras mudam, o valor da moeda varia
pode até deixar de existir
mas a nossa terra não desaparecerá

a nossa terra vale mais que dinheiro.
há-de permanecer
nem as chamas
que o incêndio ateia a farão perecer.

enquanto brilhar o sol a as águas correrem
esta terra aqui estará,
para dar vida aos homens e aos animais

os tratados foram o meio de o homem branco legitimar
aos olhos do mundo, a sua presença na nossa terra.
representam um acordo sagrado e honroso
entre nós próprios e o homem branco.
e esse acordo não pode ser revogado
unilateralmente
pelos chefes brancos, à mercê de caprichos.
os nossos chefes comprometiam-se
a si mesmos ao seu povo e aos seus descendentes
a honrar o que então ficara estabelecido.
foi um equívoco.

o nosso poder esvai-se. estamos a morrer,
porque o poder já não está dentro de nós.
basta ver os nossos rapazes para perceber o que se passa:
quando vivíamos em paz na nossa terra, como devíamos,
os rapazes eram homens feitos aos doze ou treze anos.
agora, levam muito mais tempo a atingir essa maturidade

as coisas são o que são.

os homens brancos riam-se na cara dos índios,
para ganharem confiança, e nos enganarem, apertavam-nos a mão.
roubaram-nos, embriagaram-nos,
iludiram-nos e arruinaram as nossas mulheres.
disse-lhes para nos deixarem, que ficassem longe de nós,
mas eles continuavam a seguir-nos, assaltavam os nossos acampamentos
e insinuavam-se no meio de nós como cobras.

voltamos então os olhos para o grande espírito.

na floresta já não havia veados.
o bisonte tinha desaparecido, o castor tinha fugido
as fontes secaram.

reunimos um grande conselho e todos nós falámos diante de uma fogueira.
o ambiente era quente e agradável.
o nosso espírito elevou-se e disse:
vingais as afrontas ao vosso povo, ou deixai-vos morrer.

fizemos ouvir os nossos gritos de combate
e desenterrámos o machado de guerra, as nossas facas estavam prontas
e o coração crescia no peito de todas os guerreiros.

não podemos ceder os nossos direitos
sem do mesmo passo nos anularmos.

é por isso que sabemos
que enquanto lutarmos pelos nossos direitos
havemos de sobreviver;
se nos rendemos
morremos.

os homens brancos eram muitos
e nós não lhes podíamos fazer frente
estávamos ali como alces, e eles como ursos-pardos
as balas voavam pelo ar como pássaros,
assobiavam aos nossos ouvidos
tal como o vento no inverno, assobia nas árvores.
os meus guerreiros tombavam ao meu redor

o sol ergueu-se pálido sobre nós
e, à noite, mergulhou numa nuvem escura
parecendo uma bola de fogo.
foi o último sol que vi brilhar.

o meu coração está agora moribundo
e jamais há-de bater rápido no peito.
sou vosso prisioneiro, como todos os meus guerreiros.
sinto um grande pesar, pois, ainda que vos não possa vencer,
esperava mesmo assim, suportar mais tempo a luta
e dar-vos mais trabalho antes de me prenderes.
sou prisioneiro dos homens brancos
fui torturado, mas não tenho medo de morrer. não sou cobarde.
combati pelo meu povo contra os homens brancos,
que nos enganavam e tomaram nossas terras.
fomos expulsos, empurrados para a lama dum pântano sombrio,
chacinados,
culpados de uma só ofensa:
a de possuirmos aquilo que o homem branco cobiçava.

partimos tristes, de coração despedaçado.
haveríamos, ainda assim, de ser livres…
completamente perdidos
caminhamos em silêncio por dentro da noite gelada.

o silêncio é o grande mistério
o silêncio sagrado é a sua voz
e os seus frutos são:
o auto domínio, a verdade
coragem ou a resistência, a perseverança
a dignidade e o respeito
o silêncio é a pedra angular do carácter.

o não dito pode constituir matéria de mútua compreensão
ou pode ser algo que é indicado de maneira
a só ser inteligível para quem se destina.

eu sou uma sombra
o meu povo está disperso, desapareceu
quando eu grito
ouço a minha voz perder-se
na profundezas da floresta
e não há voz que me dê resposta
tudo em meu redor é silêncio
têm pois as minhas palavras de ser poucas
nada mais posso agora dizer

condenaste-nos antes de nos compreender
simplesmente porque o nosso culto é diferente do vosso

quando me recordares tira proveito dos nossos ensinamentos
se não fordes suficientemente humildes para o reconhecerdes,
podeis estar certos de que,
à destruição do índio
seguir-se-á a destruição da natureza
e a esta
a vossa própria destruição.
em suma, cavais a vossa própria sepultura.

em certo sentido, soubemos desde sempre
que o único futuro decente para vós
reside na redescoberta do vosso meio ambiente

precisais estabelecer uma relação legítima com a terra,
e os seus recursos; só assim conseguireis viver em estado de equilíbrio
ou, como dizem os cristãos, em estado de graça

sem o castigo dos culpados
sem a recompensa dos justos
o homem branco tornar-se-á o mais miserável dos povos.

o sofrimento do homem índio
ao assistir à destruição do seu modo de vida
nunca foi inteiramente compreendido pelo homem branco
e talvez nunca o venha a ser

nós, os índios,
havemos de mostrar ao mundo como vivem os seres humanos.
o vosso país um dia há-de rever a sua constituição e as suas leis
pensando em seres humanos e não em propriedades
a propriedade privada é o caminho conducente à pobreza
e não à riqueza

as nossas ideias hão-de vencer as vossas.
havemos de por em frangalhos o sistema de valores do vosso país.
não importa que hoje sejamos uma minoria
o que importa é que temos um modo de vida superior

o meu coração é uma pedra
pesado pela tristeza que sinto pelo meu povo
gelado pelo conhecimento de que nenhum tratado
poderá manter os brancos fora das nossas terras
firme pela determinação de resistir enquanto eu viva e respire.

escutai-me porém: um galho isolado parte-se
mas um feixe de galhos é robusto
um dia hei-de abraçar os nossos irmãos de outras tribos e conseguir
que façam um feixe
e juntos haveremos de reconquistar a nossa terra aos brancos

arrancaram-me da minha morada
adoeci, e sinto-me a morrer
como poderia ter sido simpático e dócil
com aqueles que chacinaram a vida do meu povo?

com lágrimas correndo, devo dizer agora:
aqui me vedes, um velho deplorável, decaído e sem nada ter realizado.
aqui, no centro do mundo, aonde me trouxestes quando era novo
e onde me ensinaste, aqui estou, envelhecido.
com mágoa lanço débil voz, para vos apelar
pois por certo nunca mais o voltarei a fazer…
fazei que o meu povo viva
após gerações de incessante frustração
a nossa gente está cansada e impaciente.
nada mais vos peço, mas não esperamos menos que isto

o meu culto
o meu povo
foram e continuam a ser ignorados nos livros de história
mas nós
havemos de ser sempre lembrados
demos muitos nomes da nossa língua a muitas coisas belas
as muitas luas e dias de sol que vivemos
haverão de falar por nós
todas as terras por onde andamos
há-de brilhar a nossa imagem e hão-de murmurar as nossas mágoas
hão-de sussurrar os nossos nomes ao sol que os beijas.
podereis vós e os vossos filhos,
ouvir esse cântico eterno sem se vos apertar o coração?

quanto tempo ainda te falta para conseguires ouvir
as palavras que trago no rosto?
as cicatrizes que carrego a nu em meu corpo?
e no meu olhar,
o vazio de uma terra que guardarei sempre para mim?
diz-me, quanto tempo ainda te falta?

hoje sobrevivo
entre o homem branco sem tempo no mundo
entre as normas e as convenções
entre o betão e a poluição
entre o puder e o crime
entre o jogo e a sedução

mas a minha alma
mantêm o espírito lakota vivo
vivo no mundo sem tempo
entre o puro e o autentico
entre o único e o despido

sou o que sou
sou o que me fazem ser
e como antes de ser
ser, seja lá o que for
é preciso sentir...
é assim que sinto
é assim que sou
lakota

qual será o valor supremo da vida humana?

é esta a questão

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